Dilema da água: a Samarco e o nosso rio Conceição

Postado por Grupo Ambiental de Santa Bárbara 26 de maio de 2013 Comente!

Bacias Hidrográficas - Empreendimentos nos médios Piracicaba e Espinhaço aumentam a demanda por recursos hídricos e acaloram as discussões sobre a necessidade de usá-los com responsabilidade.

Reproduzimos abaixo reportagem publicada na Revista DeFato, Edição 243 de 14 de abril de 2013. Parabenizamos, desde já, o jornalista Sérgio Santiago e a Revista DeFato por sempre estarem debatendo o tema. Entretanto, considerando a complexidade do empreendimento da SAMARCO, optamos por incluir alguns comentários e fotos legendadas ao longo do texto (em vermelho).


SAM_0838Indispensável à vida humana, a água deveria, em primeiro lugar, saciar a sede das pessoas e suprir as necessidades básicas de saneamento. Depois poderia servir à agricultura, para produzir alimentos e matar a fome no mundo. Cumpridas essas funções, de maneira racional, se destinaria também às atividades industriais e exploratórias.

Deveria, mas nem sempre é o que acontece. Por causa dos grandes empreendimentos privados em fase de instalação ou licenciamento em Minas Gerais, a demanda por água vai aumentar, e não é para seu uso mais nobre. Em alguns casos, como dos minerodutos, a água (em grande quantidade) funcionará como um meio de transporte para a atividade extrativista.

Um dos casos emblemáticos é registrado em Santa Bárbara. A Samarco Mineração, para colocar em operação o Projeto Quarta Pelotização (P4P), quer captar 569 litros por segundo (l/s), 24 horas por dia, no rio Conceição, no distrito de Brumal, em Santa Bárbara/MG. Embora não haja ilegalidade na atuação da empresa, a população se assustou ao ver o diâmetro dos canos da adutora que levará parte do manancial para o mar.

O Ministério Público já determinou a paralisação das obras, haja vista a instauração de inquérito civil para averiguar a ilegalidade do empreendimento. Leia mais em: “Ministério Público determina paralisação das obras da SAMARCO”.

A população já estava assustada mesmo antes de ver o diâmetro dos canos. A ONG GASB e o Jornal Hoje em Dia já noticiavam as preocupações da população antes mesmo do  empreendimento começar.  Veja as reportagens “Mineração ameaça água no Parque do Caraça” e “Projeto de expansão da Samarco põe em risco o abastecimento de água do Rio Conceição”, publicadas em fevereiro de 2010.

Os serviços começaram em 2012 e, desde então, diversas audiências públicas foram realizadas para tratar do assunto.

Em Santa Bárbara não foram realizadas audiências públicas, pelo menos no sentido jurídico da expressão. Para assim ser chamadas, as duas reuniões públicas que ocorreram no município deveriam ter seguido uma série de requisitos regulamentares: ampla divulgação em todo o município (rádio, jornais, outdoor), visando convocar todos os interessados; prazos razoáveis para os interessados se informarem previamente sobre o empreendimento; divulgação ampla e irrestrita dos locais onde estariam disponíveis, para consulta e cópia, todos os documentos relativos em empreendimento; local compatível com o público previsto; e formalização prévia do trâmite a ser seguido durante a audiência (inscrições dos participantes, ordem dos debates, moderação e atas).

Aconteceram em Santa Bárbara duas reuniões públicas: uma dia 25/02/2010, no Centro Comunitário de Brumal; e outra dia 04/03/2010, na ACISB. As duas reuniões só existiram, pois o Ministério Público local, após solicitação da ONG Gasb, obrigou a empresa a apresentar o projeto aos santabarbarenses. Até então, a Samarco entendia que a audiência pública realizada em Ouro Preto, dia 22/10/2009, seria suficiente.

Apesar da contestação de alguns membros da sociedade na ocasião, boa parte foi a favor, esperançosa com as perspectivas de desenvolvimento.

Como que “boa parte” da população poderia ter sido favorável, se as reuniões públicas foram pouco divulgadas? Como contestar o empreendimento, se os interessados não conseguiam, nem mediante solicitação de informação à Prefeitura Municipal, maiores detalhes sobre o projeto da SAMARCO? Como discutir um empreendimento protegido pela “cultura do segredo” que imperava no Executivo Municipal? 

À medida que a obra avançou, entretanto, a comunidade começou a perceber a real dimensão dos impactos.

ISSO É FATO! Devido à falta de transparência e à “cultura do segredo” que imperou durante o suposto processo de licenciamento municipal, a população só começou a ter conhecimento da real dimensão do empreendimento quando viu o gigantismo da obra: supressão vegetal, paredões, tubos e centenas de trabalhadores. Apesar das várias tentativas de transformar um empreendimento de grande impacto socioambiental em uma simples construção industrial, a realidade veio à tona. E da pior forma possível: moradores desesperados com receio de perderem tudo nas próximas cheias do rio Conceição ou então indignados com a forma como a CEMIG, para atender à obra da Samarco (uma instituição privada), está invadindo terrenos particulares sob a condição de “utilidade pública”. O rio Conceição está sendo assoreado e o patrimônio histórico do nosso município correndo risco de literalmente “tombar”.

O P4P vai elevar a capacidade produtiva da Samarco em 37% a partir de 2014 e empregar, no pico das obras, 13 mil pessoas. Do investimento maciço, da ordem de R$ 5,4 bilhões, pequena parcela será aplicada em terras santa-barbarenses. Ao ceder sua água, Santa Bárbara receberá em troca algumas ações sociais consideradas pequenas por autoridades locais. “Agora a empresa tem todos os licenciamentos e a obra está adiantada. Devíamos ter posto a boca no trombone antes”, afirmou um morador. São três projetos que custarão à empresa R$ 230 mil: “Brumal Costura sua história”, “Brumal: Sabor, Lazer e Arte” e “Brumal Encanta”, todos escolhidos pela própria comunidade.

Engana-se o “morador”: o empreendimento da SAMARCO não tem todos os licenciamentos, sequer tem Alvará de Localização ou Construção da obra e está sendo construído em área residencial. Brumal é Zona de Preservação Ambiental (ZPA) e Zona de Preservação Cultural (ZPC). Por ser área sujeita a alagamentos, possui restrições para construção. Não foi feito Estudo de Impacto da Vizinhança (EIV).

Existe uma grande diferença entre uma doação e uma compensação por impacto socioambiental. No primeiro caso, a empresa doa por livre vontade, da mesma forma que faria com qualquer projeto que queira patrocinar. O segundo caso é OBRIGAÇÃO, é determinação legal, acordado com o Ministério Público e o Executivo Municipal, depois de ouvida a população. Está para ser criada a empresa que paga de bom grado uma compensação por impacto socioambiental.

O caso da AngloGold é um exemplo clássico: a empresa teve que pagar R$ 10 milhões a título de medidas preventivas, reparadoras e compensatórias voltadas à proteção do meio ambiente nos municípios localizados no entorno da reserva particular do patrimônio natural da Serra do Caraça. Leia mais sobre o assunto no site do MP.

Art 126

A mineradora afirma que a água a ser usada no projeto não vai interferir no abastecimento da população, pois a estação está sendo implantada abaixo da captação que atende Santa Bárbara. “É importante esclarecer ainda que, conforme previsto em lei, o abastecimento para consumo humano sempre será prioritário”, diz a empresa, em nota.

Já que a água não retornará para o município de Santa Bárbara, porque a SAMARCO não efetua a captação no rio Santa Bárbara, após o esgoto doméstico de toda a cidade ser despejado no rio? Porque a Samarco quer água de qualidade. Não por menos, o ponto de captação da Copasa está localizado a menos de 2 km do empreendimento da Samarco. Ela não só quer levar a água, mas exige que seja dá melhor água que Santa Bárbara tenha para oferecer.

Para se beneficiar do rio Santa Bárbara, a Samarco vai pagar uma taxa à agência do Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Piracicaba. A cobrança foi aprovada pelo CBH em 2011, conforme a Deliberação Normativa nº 15/2011. A cada m³ de água consumido, ou seja, mil litros, a empresa paga R$ 0,021 e mais R$ 0,022 pela transposição, porque a água não é devolvida. Os valores variam de acordo com as bacias hidrográficas e atividades beneficiadas.

Apesar da cobrança pelo uso da água ter sido aprovada pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Piracicaba (Deliberação Normativa nº 15/2011), a Samarco até o momento NÃO se manifestou sobre a cobrança. Se ela vai pagar pela água, porque não divulgar? Provavelmente porque ela pretende recorrer judicialmente desta decisão administrativa!

O engenheiro sanitarista Jorge Borges, que tem mais de 30 anos de experiência na área, afirma que as discussões sobre cobranças são feitas em reuniões de comitês de bacia. Acontece que as empresas, principalmente grandes mineradoras, enviam a esses encontros equipes técnicas altamente qualificadas para defender seus interesses. “Claro que elas não estão erradas, afinal são empresas”, afirma o engenheiro. Com fortes argumentos, as corporações conseguem preços melhores. Outra cena comum nas reuniões é a presença de ex-servidores de instituições, como Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e Agência Nacional das Águas (ANA), trabalhando para empresas privadas. A explicação? Salários melhores.

Se por um lado as empresas defendem seus interesses, por outro a população também deve ir à luta. No caso dos minerodutos, a água retirada não volta para a bacia e, se houver várias captações num mesmo rio, o restante do curso fica comprometido. Ainda mais que os projetos minerários em Minas Gerais estão, em grande parte, perto das cabeceiras e nascentes.

O engenheiro sanitarista Jorge Borges levantou outro ponto importante, que em breve será tema de discussões nos órgãos ambientais do município e do Estado. A Samarco alega que está captando água para levar para Mariana. Entretanto, isso não é verdade! Parte da água captada será usada para levar minério de Mariana para Ubu, no Espírito Santo. A água entra no mineroduto e não volta para a bacia do rio Piracicaba.

Como ficará o distrito de Barra Feliz depois de retirada uma 50 milhões de litros de água por dia do rio Conceição? Como ficará o esgoto doméstico de Santa Bárbara? Como ficará a bela represa do Peti? Como ficará o sistema hídrico da bacia do Rio Piracicaba já que esta água não retornará?

Foto 03 - Rio Pouca VazãoNão tão adiantada como a Samarco, a Manabi, em Morro do Pilar, é outra mineradora que vai tirar muita água da bacia do Santo Antônio. Pela praticidade e viabilidade econômica, a empresa também optou pelo mineroduto, que terá mais de 500 km de extensão entre a mina e o porto de Linhares, no Espírito Santo.

Antes de ser divulgada a notícia do empreendimento da pré-operacional, um relatório do Plano Integrado de Recursos Hídricos do Rio Doce previa um aumento de apenas 1,1% no consumo de água para diversos usos na bacia do Santo Antônio, passando de 901 l/s, em 2006, para 911 l/s, em 2030.

A demanda para o consumo industrial, de acordo com o relatório, não ultrapassaria 276 l/s em 2030. Não ultrapassaria. O estudo deixou de fora, na época, os empreendimentos em fase de licenciamento, como o da Manabi, que vai usar, sozinha, 819 l/s dos rios Santo Antônio e Preto. As autorizações foram concedidas pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) em 2011 e valem até janeiro de 2016.

Pequenas Centrais Hidrelétricas

O grande potencial do Santo Antônio atrai não apenas empreendimentos privados, mas a atenção do próprio Governo do Estado. Um assunto que tem gerado polêmica, principalmente em Ferros, diz respeito exatamente ao projeto de construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) ao longo da bacia. No dia 27 de fevereiro, uma audiência pública foi realizada na cidade, quando a Minas PCH apresentou o projeto operacional e o relatório de impactos ambientais da PCH Ouro Fino, prevista para operar na divisa de Ferros com Joanésia.

A audiência foi feita mesmo depois de a juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública de Minas Gerais, Lilian Maciel, ter determinado, desde agosto de 2011, a suspensão de todos os licenciamentos de empreendimentos do tipo na bacia do Santo Antônio, sob alegação de que a ausência de impactos integrados entre as várias PCHs oferece risco de um colapso ambiental. 

No caso da PCH Ouro Fino, uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) à Minas PCH garante a continuidade dos estudos para implementação do projeto, até que haja a concessão da Licença Prévia (LP) por parte da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). A realização da audiência pública em Ferros fez parte desse processo.

A presidente da Associação de Defesa e Desenvolvimento Ambiental de Ferros (Addaf), Tereza Cristina Almeida Silveira, a Tininha, questiona a política de geração de energia do Governo do Estado, da qual a construção de PCHs é considerada ação estratégica. “Não se pode gerar energia a partir de severos passivos ambientais. Diante da exigência da Justiça, a Universidade Federal de Lavras, em parceria com a Semad, elaborou uma análise ambiental integrada que apenas cruzou dados dos relatórios anteriores, apresentados nas etapas de licenciamento das várias PCHs previstas. Não houve trabalho de campo”, explica a ambientalista. No total, estão previstos 22 empreendimentos do tipo na bacia do Santo Antônio, todos privados. Parte deles já está em operação.

Abastecimento das cidades

Os municípios de Santa Bárbara, Morro do Pilar, Ferros e outros, onde se pretende usar em grande escala o potencial dos rios, ainda não sofrem com o desabastecimento.

ATENÇAO: Abre o olho população de Santa Bárbara – Itabira já enfrenta falta de água para consumo humano! E você realmente acha que empresas que captam água estão parando suas operações para atender à população? Claro que NÃO! Neste caso, sempre sobra para os mais fracos – conta mais o dinheiro e menos valem as vidas em jogo.

Você sabia que a Copasa de Santa Bárbara já construiu uma mini-barragem para captação de água, próximo ao bairro Modelo? Porque será que ela não aumentou a captação do rio Conceição?

O mesmo não se pode dizer de Itabira, cidade que cresceu graças à mineração. Além de operar abaixo do necessário, o sistema de abastecimento itabirano capta cerca de 100 litros de água por segundo (l/s) sem autorização. Significa que a cidade está usando mais do que deveria as fontes disponíveis. A escassez é explicada pela ausência de investimentos em saneamento no decorrer dos anos.

De acordo com o engenheiro Jorge Borges, vai chegar o momento em que a autarquia terá de se adequar. Para livrar Itabira de um desabastecimento e tirá-la da ilegalidade, três projetos estão em andamento. Dois deles, o do rio de Peixe e o da barragem Santana, são de curto/médio prazo. O projeto do rio Tanque é o mais importante (e também o mais caro), por ser capaz de atender a cidade pelos próximos 30 anos com tranquilidade. Esse é de longo prazo.

No caso da barragem Santana, o projeto técnico elaborado pela Vale terá de passar por algumas modificações. A obra custará aproximadamente R$ 10 milhões e adicionará ao atual sistema de distribuição do Saae 100 l/s. No rio de Peixe, a obra é mais simples e a previsão é que a captação de 60l/s começa em junho de 2014 e custará R$ 3,5 milhões.

No caso do rio Tanque, a obra ainda é uma realidade distante. A verba de R$ 1,22 milhão do Governo Federal, destinada em 2011, foi liberada no último dia 2 de abril. O recurso estava travado por causa da burocracia. De acordo com estimativas do Saae, serão gastos mais de R$ 50 milhões na obra, cifras que, somadas aos custos operacionais por três décadas, ultrapassarão R$ 70 milhões.

Para não correr o risco de acordar tarde demais, as cidades mineradoras de Minas Gerais devem fazer como São Gonçalo do Rio Abaixo. O município vai reforçar a disponibilização de água à população diante da perspectiva de crescimento populacional para os próximos anos. A cidade tem atualmente pouco mais de 10 mil habitantes, que são atendidos tranquilamente com os 17 l/s de água captados. Mesmo assim, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DAE) pretende elevar essa quantidade para 30 l/s com a construção de uma nova Estação de Tratamento de Água (ETA). 

Composto por hidrogênio e oxigênio, sem cor, cheiro ou sabor, a água é um bem precioso e finito, já escasso em muitos lugares do mundo. Não se pode deixar que a poluição, o desperdício e o uso desregrado representem uma ameaça para as próximas gerações. O segredo é saber usar.

Gostou deste artigo? Então deixe seu comentário. Aproveite a oportunidade e assine gratuitamente nossas atualizações via RSS Feed.

Seja o primeiro a comentar!

Postar um comentário

Gostou do que encontrou aqui? Então fique à vontade para fazer seu comentário. E não se esqueça de recomendar aos amigos.

Seja bem-vindo e obrigado pela visita!

Atenção: A moderação está habilitada. Desta forma, seu comentário só será publicado após aprovação da equipe coordenadora.

  • Meio Ambiente

    Últimas notícias sobre as questões ambientais, legislação pertinente e principais problemas locais.
  • Contas Públicas

    Publicações efetuadas pelos órgãos públicos municipais no Diário Oficial de Minas Gerais.
  • Reuniões da Câmara

    Participe das reuniões e fique por dentro das matérias discutidas e votadas pelos vereadores.
  • Especial Serra do Gandarela

    Projeto de Criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela.

Facebook

Atualizações do Site

Seguidores

Visitantes

free counters

Estatísticas Site ONG Gasb

237
assinantes
fãs
seguidores
artigos
comentários

Informe seu email para receber novos artigos

Publicidade